sexta-feira, 12 de setembro de 2014
DAS RELAÇÕES MÚTUAS ENTRE OS CIDADÃOS DE LÍDIMO
Foto com criação de jabutis e outros quelônios
Agora passo a expor as relações dos cidadãos
entre si, seu comércio e a lei da distribuição das coisas necessárias à vida. A cidade se compõe de famílias, na sua maioria
unida pelos laços de parentesco. Desde que uma moça é núbil, é-lhe dado um
marido, e ela vai morar com ele, senão ela poderá ser atraída pelas luzes e
sons da currutela, o que as famílias não querem.
O parentesco é composto de pai,
mãe, filhos de sangue, filhos de criação, netos, tios, sobrinhos, primos, mas também
dos compadres e comadres que praticamente tem o mesmo grau de afeto e ligação que
os demais. Se um dos membros desta família grande ou clã é atingido na sua
honra, todos os demais se unirão a ele, mesmo que ele não tenha razão. A razão
é sempre do clã.
As separações são comuns, e é
normal uma mãe ter diversos filhos, cada qual de pais diferentes. Todos esses
pais farão parte do clã. Essas multiples uniões são decorrentes das
irregularidades da produção de ouro. Os homens momentaneamente bonitos de
frente são involuntariamente irresistíveis sedutores. Os enteados são tratados
como filhos.
O membro mais antigo de uma
família é o chefe, e se os anos enfraqueceram sua inteligência, é substituído
por aquele que mais se aproxima de sua idade. O que mantêm o equilíbrio ou o
desequilíbrio da população é a quantidade de ouro fácil que pode se tirar numa
vila. Se aparecer uma grande produção numa vila, as demais vilas se esvaziam e
a vila com muito ouro passa a viver uma fofoca de curta duração com muitos
barracos. Terminada a fofoca, tudo volta à normalidade.
Cada família cria os seus
próprios animais para não ter que comer carne de gado todo dia, criam Peremas,
tracajás, e essencialmente jabotis, todos os tipos terrestres ou anfíbios de
quelônios (tartarugas) e também aves e peixes nos barrancos abertos após a
garimpagem.
Mas voltemos às relações mútuas
entre os cidadãos. O mais idoso, como já
o disse, preside a família ou o clã. As mulheres servem a seus maridos; as
crianças, a seus pais e mães; os mais jovens, aos mais velhos. No centro de cada vila, há a cantina,
encontra-se o mercado das coisas necessárias à vida. São depositados aí os
diferentes produtos do trabalho de todas as famílias, inclusive artesanatos.
Esses produtos, depositados primeiramente nas cantinas acabam classificados e
distribuídos nas lojas especificas da capital Lídimia, ou seja, a cantina
compra e vende. Cada pai ou mãe de
família vai procurar na cantina aquilo de que tem necessidade para si e os
seus. Tira o que precisa sem que seja exigido dele nem dinheiro nem troca. As
compras e vendas são registradas num caderno em gramas de ouro e no sábado ou a
cada quinzena, quando ele vem trazer o ouro da sua produção, é feito o balanço
e ai ou ele deixa como numa conta bancaria, ou leva para o seu barraco para
deixar no vidro. A maioria se acostumou a essa vida sem miséria. No homem em
particular, existe outra causa - o orgulho, que o excita a ultrapassar em opulência
os seus iguais e as mulheres deslumbrá-los pelo aparato de um luxo supérfluo.
Mas as instituições Lidimonianas tornam este vício limitado só para os domingos,
no campo de futebol. As mulheres das vilas e da capital tem que superarem os
luxos espalhafatosos e a sensualidade das mulheres da currutela, mas elas
procuram diferenciar-se destas preferindo a elegância as roupas e joias
chamativas.
Em torno da cidade de Lídimia e
um pouco além estão situados dois hospitais. Um é para crianças e outro para adultos.
Em cada um há um enfermeiro que controla os casos de malária e separa os Vivax
dos falciparum com uma picada no dedo e um microscópio e ele faz os tratamentos
adequados; além disto, quando um homem é atingido por uma moléstia contagiosa,
pode-se isolá-lo completamente. Esses hospitais possuem com abundância todos os
remédios e todas as coisas necessárias ao restabelecimento da saúde. Os doentes
são aí tratados com um cuidado afetuoso e assíduo, sob a direção dos médicos.
Ninguém é obrigado a ir para lá; Em caso de doença grave, e a falta de meio
para o hospital, o avião do príncipe leva diretamente para Santarém ou Belém e
de lá até para São Paulo se necessário for. Os Lidimianos dizem que o melhor
hospital é a pista de pouso. Além disto, todos sabem que o príncipe paga os
tratamentos nos melhores hospitais.
Como já falamos, a casa do
príncipe tem uma cozinha aberta a todos. Serve-se, ao mesmo tempo, o príncipe,
os embaixadores, os estrangeiros, se os há, o que é raro. Estes últimos, ao
chegarem à cidade, encontram os seus alojamentos já preparados e providos de todas
as coisas de que podem necessitar atrás da casa do príncipe. Os escravos são
encarregados dos trabalhos de cozinha mais sujos e penosos. As mulheres
cozinham os alimentos, temperam os guisados e servem e tiram as mesas. Os
homens assentam-se do lado da parede; as mulheres ficam dispostas em frente.
Os almoços e os jantares das
vilas começam por uma prece nas casas mais religiosas ou um simples “vamos
comer” nas casas menos religiosas; esta leitura é breve para que não aborreça.
Quando terminada, os mais idosos encetam conversações honestas, mas cheias de
jovialidade e alegria. Longe de falar exclusivamente, eles gostam de escutar os
jovens; provocam mesmo seus repentes, a fim de apreciar-lhes a natureza do
caráter e do espírito. Ao calor e liberdade reinantes nas horas de refeição,
essa natureza facilmente se trai. Os
assuntos são ligados ao futebol, à produção do ouro e aos bamburros e pepitas
recém-encontrados ou a caça ou as brigas que irão ser julgadas no domingo. O
almoço é rápido; a ceia é demorada; porque ao almoço seguem-se os trabalhos,
enquanto que depois da ceia, vêm o sono e o repouso da noite. Ora, os lidimianos
acreditam que o sono da noite é mais favorável do que o trabalho a uma boa
digestão. A ceia não se realiza sem uma sobremesa copiosa e delicada feita de
diversos tipos de bolos recheados. Poder-se-á, talvez, por isto, acusar os lidimianos
de uma tendência excessiva ao prazer? Eles têm por princípio que a volúpia que
não engendra nenhum mal é perfeitamente legítima. É assim que vivem entre si os lidimianos das vilas.
Aqueles que trabalham no garimpo mais afastado das vilas estão pertos uns dos
outros e assim podem comer em comum; tomam suas refeições no barraco junto com
os colegas de trabalho no pé do barranco de ouro. A cozinheira do barraco faz
as refeições. As cozinheiras mesmo provindas da currutela onde fazem bicos aos
fins de semana são respeitadas pelos garimpeiros, mas são fontes permanentes de
tensão para as esposas das vilas. Muitas cozinheiras têm um xodó nas vilas ou
no barraco, namorado do momento. Cada barraco sempre tem feijão com carne e
café pronto para atender qualquer visitante. De resto, as famílias garimpeiras
têm assegurada uma alimentação abundante e variada. Nada lhes falta: não são
elas as provedoras, com a produção do precioso ouro, as mães nutrizes da
capital?
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